quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mas seu coração é a forma de contar a história

Venho hoje postar um texto que escrevi juntamente com a Naiara Lima, para uma cena da peça que montamos em 2008, chamada Fios da Vida - Mas seu coração é a forma de contar a história, com direção de Fátima Monis.
Na cena, eu (personagem 2) e a Andréia Artillia (personagem 1)  estávamos amarradas em cordões, como marionetes, e éramos manipuladas. Na frente do palco, três parcas tricotavam o fio da vida.


Personagem 1: Porque Deus criou o mundo em seis dias.
Personagem 2: Eu fui gerada em oito meses, nasci prematura.
P. 1: Vinte e uma horas demorei para entender que na verdade a semana começa no domingo. Toda semana, mês, ano, cria a ilusão da chance de se começar tudo de novo.
P.2: Com cinco anos eu ganhei uma irmã. Com seis anos eu ganhei dois irmãos, mas com dez anos... Eu ganhei dois pares de meia e uma bicicleta!
P. 1 e 2: Com vinte e um anos eu conheci meu grande amor!
P. 2: Pedi pra me amar baixinho, em silêncio, como uma brisa que provoca arrepio.
P. 1: Queria gritar aos quatro ventos: EU TE AMO!
P. 2: E dessa maneira nosso amor foi mais suave, frio, distante, mas duradouro.
P. 1: Chegou sem hora marcada, incendiou minha vida, me fez voar! Jurei a todas as pessoas e a todos os santos que aquele amor seria eterno. Durou mais dois verões.
P. 1 e 2: Agora que cheguei até aqui consigo perceber, não apenas com a simplicidade de uma criança, mas com sua própria alma, as linhas que segui.
P. 1: Com vinte e três eu terminei com meu primeiro amor, para poder ficar com uma outra pessoa.
P. 2: Com vinte e quatro eu comecei a fumar. Quarenta e sete anos foi a idade que minha mãe morreu. Decidi parar de fumar.
P. 1: Sempre tive medo de chegar aos quarenta...
P. 2: Tinha medo da mudança. Sempre preferi a rotina.
P. 1 e 2: Com vinte e cinco eu engravidei!
P. 2: Depois de seis semana perdi o bebê.
P. 1: Depois de oito meses ganhei meu presente.
(puxada mais forte dos cordões)
P. 1: Porque Deus criou o mundo em seis dias e descansou no final.
P. 2: Porque Deus criou o mundo em seis dias e descansou no final.
P. 1: Com vinte e cinco eu senti o melhor e maior amor que já conheci.
P. 2: Com vinte e cinco eu senti a pior e maior dor que já conheci.
P. 1: Com vinte e oito eu percebi que meu primeiro amor era pra ser meu eterno amor. Com trinta eu senti uma mistura de angústia e felicidade ao reencontrá-lo.
P. 2: Com trinta eu me senti completamente sozinha.
P. 1: Comecei a trabalhar.
P. 2: Larguei meu emprego.
(ambas riem)
P. 2: Comecei a trabalhar.
P. 1: Larguei meu emprego.
P. 1 e 2: (nas pontas dos pés) Agora vejo tudo do alto, pronta para saltar! ESTOU PRONTA PARA SALTAR!
P. 1: Procurei minha felicidade em todos os detalhes da minha vida, como quem tem sede de vida.
P. 1 e 2: Arrisquei muita coisa...
P. 2: Menos a minha própria felicidade.
P. 1 e 2: Acreditei em tudo o que me diziam e em tudo que eu mesma inventei.
P. 1: Agora estou aqui.
P. 2: Agora estou aqui.
P. 1 e 2: Você me ouve?
(se enroscando nos cordões)
P. 1: Passei por crise emocional.
P. 2: Perdi meu pai.
P. 1: Mudei de emprego.
P. 2: Comprei um cachorro.
P. 1: Formei minha filha.
P. 2: Morei sozinha.
P. 1: Viajei.
P. 2: Me tornei avó.
P. 1: Doei um órgão.
P. 1 e 2: Descobri novas formas de amar.
P. 1: Perdi meu único amor.
P. 1 e 2: Quase construí um zoológico em casa!
(Parcas fazem crochê rápido. Novamente as personagens ficam nas pontas dos pés)
P. 1 e 2: Agora vejo tudo do alto, pronta para saltar! ESTOU PRONTA PARA SALTAR!
(Black out nas personagens. Luz nas parcas)
P. 1: Talvez eu tenha feito algumas escolhas erradas...
P. 2: Acho que fiz algumas escolhas certas...
P. 1: Mas de qualquer modo...
P. 2: Todos os fios serão cortados.
(Parcas cortam o fio)
P. 1 e 2: Onde posso te encontrar?


cartaz do espetáculo

ensaio da cena

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